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|De esperanças, quando menos se está à espera |
Sempre sonhei que queria ser mãe. Sonhava em casar, passar pelos estados todos ditos 'normais'. A corte, o pedido de joelho, o bling, o casamento de branco seguindo-se de uma casa com soalho de madeira (adoro chão de madeira). Enfim sempre sonhei com o cliché, e enquanto estudava na Universidade estive muito perto de o conseguir (pensava eu até ser traída etc e tal mas mais sobre isso numa outra crónica). A verdade é que, no fundo no fundo sempre soube que iria ser mãe solteira, talvez não a vida toda mas que iria começar assim. A minha avó foi mãe solteira depois de se divorciar e criou 3 filhas sozinha, a minha bisavó também. Eu sempre fui muito independente emocionalmente, e o sonho de ser mãe estava acima de uma casamento. O problema é que eu na altura não o sabia, mas estava prestes a provar a mim mesma que o sonho de poder vir a ser mãe estava a cima de muito mais coisas.
Assim em 2004, enquanto estagiava na SIC depois de ter sido convidada para o fazer, e enquanto fazia o meu networking por um futuro que a meu ver ira ser certamente brilhante no mundo das relações internacionais, acordei uma manhã como todas as anteriores manhãs pelo menos há um mês, com uma enorme vontade que fosse de noite novamente! 'Mais um minuto, vá lá só mais um! Ok agora é que é...sinto-me sempre tão cansada, sei que sou muito preguiçosa mas acho que isto é demais! Mas o que é isto? O soutien está pequeno? Como é que é possível se ainda há pouco me servia tão bem, bem demais aliás! Ok que eu me lembre não fiz nenhum implante!' O pior é que já a caminho do estágio parecia que não era só eu que havia reparado no aumento absurdo de copas, parecia que toda a gente olhava. Até aquela mulher que me vendia o diário e que me dava o troco todos os dias sem dizer palavra ou sequer olhar para mim de tão atarefada que estava a ler a Maria. Neste dia ela disse ´Bom dia´. Eu pelo meu lado pensava 'Oh minha nossa estou com um pouco de atraso! Não é que nunca tivesse acontecido, por isso não havia nada de mais, certo?'- Errado.
Passar o dia em frente a um computador fechada não ia ajudar, lembro-me de passar o dia todo a desejar que fosse o fim do dia para me pirar dali. O pior, é que a minha preguiça estava vista de todos, deambulando pelos corredores e fazendo qualquer tarefa como que tivesse a carregar o menir do Obelix.
As dores de cabeça também não ajudaram e o meu lado hipocondríaco dizia-me 'OK Oh meu Deus!!!! Tou gravemente doente! É isso! Todos estes sintomas são prova disso mesmo, uma doença qualquer muito provavelmente fulminante. Estou fraca, zonza, inchada...o atraso é já a falta de sangue no meu corpo!'. Primeiro passo: Procurar o médico da empresa. Que mal começo a falar diz-me:- que idade tem? -27 -responde sem olhar para mim-hum hum! Ok tome isto e isto....-pois sim, e isso é? -Pois acho que pode muito bem ter o vírus de uma gravidez, faça este teste assim que puder!
Saí do consultório um pouco irritada, pff é óbvio que não estou grávida. Nem sequer se preocupa em fazer testes para invalidar o facto que posso estar gravemente doente e pede-me um teste de gravidez, pois sim.
Durante dias andei com a credencial que o médico da empresa me dera para fazer o teste. Mas acreditava que a qualquer momento o meu período iria voltar e tudo estaria normal. Sempre fora assim, porque é que agora seria diferente? Namorara tanto tempo com o Taki, e nunca engravidara! Por isso não seria agora que sem estar preparada, no final de um relacionamento que pouco mais durou que o descongelar de um cubo de gelo. Agora que estava a estagiar e a iniciar a minha carreira? Agora que iria voltar a viajar depois do estágio? Agora que tinha a minha vida toda planeada? Agora que o meu relacionamento acabara e que estava sozinha? Não, decerto que não! Mas aquela credencial que espreitava da mala naquela cor verde, não me largava e não me deixava concentrar no futuro que tinha de organizar antes de ter um filho! Ai ai! Com as dívidas de estudante e o desemprego como é que eu poderia ter um filho logo agora?!
Mas para que é que eu me estava a preocupar se os médicos me haviam dito que para engravidar muito provavelmente teria de fazer tratamentos e ser vigiada. Há muito que queria ser mãe, aliás apesar dos meus 27 anos, era um sonho. Um sonho que se havia desfeito quando os médicos me disseram isso em Inglaterra onde estudava na altura. Apesar de acreditar que ainda seria mãe, excepto quando estava com a neura e achava que não iria ter essa sorte! Achava que esse tipo de bênção só estava reservado a certas pessoas. Mas naquela semana de Novembro de 2004, naquela altura não vinha nada a calhar! Ainda para mais ser o resultado de um relacionamento que acabara sem deixar mágoas, mas também sem qualquer sentimento!
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Ammam, Jordan with HRH Princess Basma Bint Talal foto by Ana Baião (Jornal Exptresso) 2004 |
Ainda bem que a semana acabara, estava deserta para ir passar o fim de semana com a minha mãe e irmãs. Assim poderia descansar a cabeça e deixar-me de pensamentos e dilemas que soassem a foto-novela. Já me estava a imaginar num quadradinho a preto e branco e um balão de pensamento a dizer:-'Tou tramada!' Mas o problema seria quando as visse. Temos e tínhamos aquele tipo de relacionamento que tudo contamos umas ás outras, e esconder não seria lá muito boa ideia. Porque desconfiavam logo e então faziam aquela cara de FBI na caça de algum criminoso. Somos assim umas para as outras. Naquela altura a nossa mãe ainda estava connosco. Um amor desmedido que nos levava a dizer tanto 'te amo' como 'vai á merda' mas não à minha mãe, credo! A minha mãe companheira para todas as situações era quem eu mais temia contar sequer, que estava com receio quanto mais uma possível confirmação. Só mesmo pela situação em si, porque de outra forma ficaria de imediato contente. Sonhava agora ser avó, estava doente e temia nunca a vir conhecer uma neta, a única que conheceu, infelizmente partiu em 2007. Mas como qualquer mãe extremosa, queria que fosse resultado duma situação estável e de um namoro...não assim.
Bem ao regressar a casa foi como temia. Assim que vi as minhas, na altura irmãs adolescentes, fiquei bamba. Passadas poucas conversas em que cuscamos sobre todas as possíveis novidades, abri a boca por entre lágrimas que caiam no meu agora avantajado decote: -Tou com medo de estar grávida! -disse. -Sério??? -esbracejou a Catarina, a mais nova de 14 anos com um sorriso maroto nos lábios. -Sónia...achas mesmo? Ai meu Deus! Tem calma- A muito atenta Mariana de 16 anos, com os olhos esbugalhados. E as três nos abraçamos como tantas outras vezes fizéramos como jura de amor eterno e apoio incondicional. Assim que chegamos a casa e depois das repetidas cusquices e gargalhadas semanais, fiquei só com a minha mãe e desabafei, contando os meus receios.
Não houve muitas palavras, mas olhando-a nos olhos percebera que realmente não era a hora. Hora para nada daquilo. Por isso disse-me que faríamos o teste no dia seguinte para não restarem dúvidas. Assim foi, antes mesmo de me dirigir a uma clínica fui a uma farmácia e comprei o tal teste. Levei para casa e fi-lo. Sempre a pensar que seria 'negativo'! Sentei-me na sanita à espera, não fui capaz de deixar o aparelho nem por um segundo, nem fazer qualquer outra coisa enquanto esperava. Mas também não o conseguia confrontar. Até que o tempo passou e tive de enfrentar todos os meus medos...era Positivo!
'Positivo??? Como positivo? Positivo, assim a dizer que 'TÁS GRÁVIDA' positivo!'-pensei para mim mesma assustada. Chamei a minha mãe que logo foi seguida pelas duas Hobbits (Minhas irmãs!) a quem informei. Ai a cara delas! E eu, que estava eu a sentir? Que pensava eu de concreto? Os meu pensamentos entravam e saiam do meu cérebro a uma velocidade comparável ao dos 'Tunnings' de forma ilegal na auto-estrada!-'Ai mãe tou mesmo. Mesmo grávida! Mas pode não ser certo...ainda vou fazer o outro teste amanhã e tudo será confirmado...ou não...tenho que pensar bem....não se'- Fui brutalmente interrompida pela minha mãe que disse:- 'Tinhas mais juízo quando eras mais nova. Agora tens que assumir, tens 27 anos...ai meu Deus!-'Assumir o quê? Nem sei se isto é certo! Porquê agora que não tenho nada? Agora dele?Ai meu Deus!-Praguejei. Meu Deus?! Que teve Deus a ver com tudo isto? Não lhe pedira tantas vezes para ser mãe? Mas agora e daquele gajo?'
Fui fazer o teste na clínica...Confirmado. Eu no fundo já sabia, mas queria ter a certeza de que faria a coisa certa. Certa para mim e para a minha vida. Não pensei muito se tinha um ser dentro de mim, entretanto só calculava as consequências para a minha vida profissional. Faltei ao estágio com a desculpa de estar com asma, doença que sofro desde pequena, mas que poucas vezes se manifestou. No entanto serviu para me dar tempo para decidir. Procurei médicos, pesquisei na Internet e nem a visita de uma prima que acabara de ter gémeos me desmobilizou daquilo que eu teria de fazer.
As conversas com a minha mãe que pouco mais dizia além de:-Tu é que tens de decidir! Mas o tempo está a passar, lembra-te disso.- Mas os seus olhos diziam muito mais, e o mau humor das minhas irmãs aliados a uma tristeza inerente a uma situação que não podia ser levada de ânimo leve. O pior de tudo é quando fechava os olhos, lá estava ela...uma mão fechada pequena e gordinha de um bebe! Pensamento que me apertava o coração, mas que não me podia demover de todos os meus planos. Porque isso seria perder muita coisa, não seria? Nessa noite deitei-me mas não dormi e na manhã seguinte a minha mãe disse-me ao ouvido qualquer coisa que não percebi bem depois beijou-me na testa. Mais uma vez porque estaria eu a demorar tanto tempo para me decidir?
Porque chorava tanto e porque me custava tanto admitir que se calhar já estava feliz por ser mãe? Que realmente as circunstâncias não eram as ideais e o timing não podia ser pior, mas era um bebe que eu sempre quis! 'Eu vou ser Mãe!’-disse alto, como uma afirmação. Mãe de um ser pequenino que mudará a minha vida para sempre e que me iluminará só com a sua presença! Assim que a minha mãe regressou a casa, anunciei com as minhas habituais lágrimas:- Sabes, eu sei que não vai ser fácil, mas eu quero este bebe! Ele é o meu bebé. Não posso, não o ter...se Deus me abençoou... -'Oh filha! A mãe fica tão mais descansada, mais feliz! Essa criança veio para nos abençoar filha...vai tudo correr bem, vais ver...eu estou aqui!' Ambas nos abraçamos gratificadas por esta decisão e felizes por nos termos umas às outras. Quando ia a sair de casa encontrou-se com a minhas Hobbits e contou-lhes a minha decisão, e quando entraram em casa apercebi-me que esta decisão afectara toda a família. Invadindo-a com uma felicidade enorme, uma decisão contrária afectaria de maneira incontornável.
Apesar dos obstáculos, esta seria realmente o início da melhor fase da minha vida. Confirmei este sentimento quando no dia seguinte, fui ao hospital com uma pequena dor de barriga. Queixas menores, mas quiseram-me observar. Mandaram-me despir e subir para uma maca com dois lados para colocar as pernas. Foi aí que me lembrei que não havia feito a depilação! Que vergonha, nós mulheres sujeitamo-nos mesmo a muita coisa e quando menos esperava espetaram-me com um objecto para me observarem por dentro... não fosse aquela posição semi-engraçada feita por uma médica que falava de tudo menos de mim com a enfermeira, eu não teria visto pela primeira vez o meu bebe! O seu coraçãozinho a bater.-Ai eu vou chorar!-disse e chorei mesmo. Quem não o faria? O coraçãozinho tão pequenino a bater com tanta força, garra. Senti que aquele coração já batia por mim e o meu por ele. Amor à primeira vista. Tinha agora toda a certeza do mundo que tinha tomado a decisão mais acertada de toda a minha vida! A felicidade morava finalmente dentro de mim.
Esta foi a minha escolha, a minha história isto porque tive e tenho a sorte de ter a família que tenho mas principalmente porque soube ouvir o meu Eu. Não quero obviamente dizer que este é o caminho de todas as mulheres que se encontram neste momento numa situação semelhante. Apesar de tudo, naquela altura eu já era uma mulher formada, já tinha alguma experiência profissional, carta de condução e até já tinha viajado alguma coisa. Não era contudo independente, aliás demorou ainda algum tempo a sê-lo como irei falar mais tarde. Eu tinha a informação toda disponível para evitar uma gravidez não planeada. Aconteceu, mas nada é por acaso e esta é a minha história. Cada mulher jovem ou madura deve essencialmente seguir o seu coração, o seu Eu e decidir. As pessoas à sua volta, devem aconselhar e indicar várias soluções sem julgar. A minha família sabia que eu iria enfrentar dificuldades, que não seria fácil fosse qual fosse a minha decisão. Mas apoiaram-me. Tenho muita sorte.
Note: Post originally posted on May 2005
Top Photo Ammam, Jordan foto by Rami Abdelrahman (Jordan Times) 2004
Top Photo Ammam, Jordan foto by Rami Abdelrahman (Jordan Times) 2004